[Resenha] O Labirinto do Fauno – Guilhermo del Toro e Cornelia Funke

Acho que eu nunca mencionei antes por aqui, e se já o fiz peço que me perdoem pois vou citar de novo. Eu faço parte de um clube de leitura de livros aqui na região onde eu moro, chamado Clube de Leitura do Gabo (@clubedeleituragabo lá no insta ou Youtube) e a nossa ultima leitura (que para mim foi na realidade uma releitura) foi: O Labirinto do Fauno do Guilherme del Toro e da Cornelia Funke.

Vamos ao que interessa então !

No livro conhecemos Ofélia, uma inocente garota de 9 anos de idade que se vê forçada por seu padrasto a se mudar com sua mãe grávida para o interior da Espanha em pleno período de guerrilha. Esse arranjo foi feito justamente por que Vidal, o padrasto, faz parte do Exercito Espanhol e por conta de sua patente de capitão e por sua personalidade (da qual falaremos mais adiante) foi designado para essa região a fim de achar e capturar desertores e guerrilheiros que se opunham ao governo da época.

Evidentemente que Ofélia não gosta do novo padrasto chamado Ernesto Vidal, e ainda sente muita falta do pai. O sentimento de Vidal para com ela é recíproco e a única coisa com o qual ele se importa é com seu filho que está para nascer. Para se afastar um pouco dessa triste realidade, Ofélia, que sempre gostou de livros e fantasia e magia, descobre um labirinto existente na propriedade e enquanto ela desvenda os caminhos desse labirinto (guiada por uma fada é claro) ela conhece o Fauno, um ser místico meio autoritário que lhe passa 3 perigosas tarefas que se cumpridas corretamente, vão liberar o retorno dela ao seu reino de direito onde seus pais a esperam.

A partir daí ela começa a se identificar como a princesa perdida do Reino do Submundo, a princesa Moana. Enquanto Ofélia acredita na historia do Fauno e vai realizando cada uma dessas tarefas, a realidade vai se desenrolando ao seu redor, trazendo a tona muito sofrimento e posso dizer que cada pagina de realidade contrastando com a fantasia de Ofélia é um soco em nosso estomago.

Essa obra prima foi publicada em  2019 pela editora Intrínseca e contem 265 lindas paginas com ilustrações de Allen Williams, esse tesouro é em capa dura e possui um marcador em fitilho sempre útil quando precisamos dar aquela pausa estratégica na leitura.

Vamos no entanto falar mais sobre o desenvolvimento da historia e eu gostaria de focar na narrativa escolhida, um singela versão de narrador onisciente, que por vezes oscila entre as aventuras e fantasias de Ofélia nos entregando quando preciso seu estado emocional para que nos liguemos a ela e passemos junto com ela por todas as descobertas, desconfianças, raivas e sofrimentos.

Como podem notar os autores se utilizaram de inúmeras ferramentas narrativas para a construção do livro, sendo a mais marcantes o monologo interno. Observei também a existência de historias de fundo em alguns momentos bem como a narrativa é muito sensorial em sua descrição, com seus tempos de ação muito bem colocados.

O plot todo é construído sob a estrutura mista do arco dramático e minimalista dos personagens, disposto para o leitor em cronologia linear e contínua, porém sua historia ocorre no passado distante de 1944 em um ambiente realista da Espanha dominada por Franco, cenário que nos ajuda a definir bem a motivação e escolhas dos personagens.

O Labirinto do Fauno, é uma adaptação em livro de filme homônimo que foi escrito, produzido e dirigido por del Toro em 2006, a partir dali veio essa ideia de transformar aquelas imagens em palavras escritas, sim vocês leram certinho, neste caso raro, o filme veio antes do livro e devo lhes dizer que a Cornélia fez um excelente trabalho nessa tradução intermidiática.

Além disso, temos o desenvolvimento do que podemos chamar de conteúdos extras para esta obra magnifica. Esses conteúdos que chamamos de interlúdio funcionam muito bem para contextualizar e nos situar sobre personagens chaves na história central contada, são um respiro necessário e cada um desses interlúdios nos trás uma faceta diferente e um olhar diferente sobre a historia bem como eventualmente a deixa mais triste e melancólica.

Eu sou bem suspeita para falar deste livro, porque eu particularmente saboreei cada pedacinho dele de novo e não me arrependo da releitura, até agora dias depois de terminada a leitura, ainda sofro junto com Ofélia a melancolia do lugar, merece com louvor 9 estrelinhas.

⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐

[Resenha] A Droga da Obediência – Pedro Bandeira

Todos nós temos um livro que nos remete a infância certo ? OK no meu caso é uma coleção inteira chamado coleção vagalume, mas vamos nos manter em foco ok ? Para o desafio do ano o DLL 2021 do Livreando, escolhi junto este mês exatamente esse tema, Livro Que Remeta a Infância. E foi bem providencial eu ter ganho de natal a coleção que me fez gostar de investigação e que eventualmente me levou ao mestre Arthur Conan Doyle além de é claro de desenvolver minha quedinha especial por livros desse gênero. Estou falando de uma coleção muito especial para mim do Pedro Bandeira, chamada de Os Karas, mais vou trazer para vocês especificamente o primeiro deles : A Droga da Obediência.

Este livro nos apresenta logo de inicio um grupo de 5 amigos colegiais que se reúnem para resolver diversos tipos de problemas, e logo na primeira reunião convocada por Miguel, que é o líder do grupo, e os outros 3 integrantes originais dos Karas: Calú, Crânio e Magri, tem de resolver um problema mais urgente, afinal eles foram descobertos por Chumbinho um dos alunos mais novos da escola e para evitar serem dedurados e desta forma arranjarem mais problemas ainda, o grupo decide aceita-lo imediatamente. O que Miguel não contava, era que o pequeno Chumbinho teria informações vitais sobre os recentes desaparecimentos que viraram noticia nas ultimas semanas, noticias alias, que foram o motivo inicial da reunião dos Karas naquele dia.
Após distribuir as tarefas de cada um, Miguel se vê em um dura decisão ao descobrir que ao delegar uma “pequena e inútil” tarefa a Chumbinho, o pobre menino seria ele mesmo uma vitima da quadrilha de sequestradores. Sem tempo a perder Miguel redireciona os esforços de Crânio a encontrar uma lógica em toda aquela situação, o mais assustador de tudo é que nem mesmo na policia os Karas podem confiar, pelos menos não em qualquer um.
Enquanto Chumbinho tenta bolar uma saída dessa enrascada, vemos através dos olhos dele como funciona a empresa Pain Control e o real proposito dos sequestros. Um plano terrível a maligno esta em andamento e o Dr QI, o cérebro por trás desses crimes não está para brincadeira. Muito se desenrola até que todas as peças de encaixam e os meninos conseguem responder ao mistério de porque, como e onde estão todos os alunos sumidos e qual era o objetivo maligno do Dr QI.

A Droga da Obediência foi lançado em 1984 pela Moderna e de lá houve algumas edições sendo que esta que vos fala leu a mais recente lançada, ou seja a de 2014. Esse pequeno e impressionante livro tem 192 páginas de pura ação, descrição, diálogo, todos inteligentes e bem colocados, é sempre bem interessante ver o arco dramático do enredo ser formado pelos fluxos de consciência e omissões propositais, ficamos eletrizados com a tensão apresentada, isso sem contar é claro as surpresas e plots twists, ferramentas que o autor nem sempre tem consciência que usa. Sem medo posso por o padrão do enredo aqui como um moderado Velocino de Ouro.
Não posso deixar de mencionar a narração, que por si só é bem interessante, pois nos entrega uma espécie de ponto de vista, podemos ver tanto a situação de Chumbinho, como a situação de Miguel e o resto da turma. Quando a gente observa o tempo e o espaço narrativo, logo fica evidente uma trama toda no presente e que se passa em um ambiente geofictício, afinal tenho certeza de que a escola e a fábrica não existem mais como não sabemos a cidade brasileira em que se passa a historia não podemos supor que mesma exista mesmo que meu palpite seja uma São Paulo da vida.

É claro que esse queridinho veio bem a calhar quando eu precisava de uma leitura leve e também cumprir o desafio porque né e fluida completamente dinâmica e que viesse com um toque nostálgico e ele entregou muito bem o que eu precisava, acredite ou não não tenho criticas, pois o foco infanto-juvenil está totalmente completo ali, é simples e direto em sua proposta sem muita enrolação para a ação, as peças são encaixadas no devido tempo além de brincar com nosso senso de investigação.
Único pequeno ponto mais é bemmmmmm pequeno tá vai apenas para os super estudantes mais se eles não fossem não seriam os Karas certo ? Normalmente eu acharia forçado o fato de Magri se uma esperança olímpica e Crânio ser super inteligente e sacar as coisas de uma vez, mais o livro tem uma simplicidade onde isso é completamente aceitável. Certo que essa leitura é indicada para qualquer um que queira dar uma chance aos livros, mas se você olhar muito adultamente para ele, pode achar fraco e sem relevância, ele é absolutamente perfeito para adolescentes, ou para você que quer ter um gostinho da infância de quando lia coleção vagalume. Pela memória maravilhosa e pelo enredo bem desenhado 9 estrelinhas.

⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐

[Resenha] Viver – Yu Hua

De vez em quando a gente precisa de um livro que nos faça refletir certo ? E é basicamente isso que Viver nos trás, mas acho que tenho que explicar um pouco essa questão de reflexão né ?

Viver nos apresenta um artista chines cuja responsabilidade é ouvir, aprender e juntar musicas, historias, lendas e transformar isso numa espécie de compendio cultural, dito isso em uma de suas jornadas ele se depara com  Xu Fugui, um senhor simples que tem muita historia para contar e quem sabe nos ensinar a viver e assim ele o faz.
Fugui nos conta sua historia desde que era um jovem pretencioso, sem senso de fidelidade, que achava que tudo cairia fácil para ele por que o pai detinha uma certa e boa porção de propriedade, até que ele se meteu com jogatina e basicamente ele se tornou responsável pela desonra da família Xu. Casado, com uma filha pequena e mulher grávida do segundo filho, Fugui não tem opção a não ser passar a prover o sustento da própria casa, coisa que até os 20 anos ele não fazia ideia de como. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e se você entendeu a referencia , vai perceber que mais nada de bom aconteceu com nosso protagonista a partir dai.
Entre diversas situações delicadas e não imaginadas por ele, nosso humilde fazendeiro, vive a transição da China para o comunismo e a historia dele evolui junto com a situação do país, quando suas terras são tomadas e dividas, quando so ricos são punidos apenas por serem ricos tornando a cada dia a sobrevivência de todos mais sofrida. Temos no final uma verdadeira lição de resiliência e como a gente pode me meio a todas as dificuldades tentar encontrar uma forma de continuar, mesmo que seja através de uma “mentira para ele mesmo”.

Viver foi publicado na China em 1993 em uma espécie de jornal em Shangai, o Harvest, para gente só veio chegar em 2008 pela Companhia das Letras, e eu dou graças a deus por esse achado maravilhoso de 216 paginas e é justamente por ser do Oriente que este livro também foi lido para o desafio DLL2021 do Livreando, como Livro Escrito Por Autor Asiático. A composição dessa obra também tem pequenas características curiosas, primeiro é o fato de na realidade ser o artista despreocupado quem se interessa em trazer para nós essa historia então temos uma narração alternada entre 1 e 3 pessoas e só por trazer um formato diferenciado já ganha pontos comigo.
Todas essa arco dramático que vemos é composto de ação, dialogo, MUITOS REVÉS, com toda uma aparência de flashback, mas não sei se chegaria a tanto. O tempo narrativo eu jogaria como misto pois existe um grande espaço de tempo entre a situação de Fugui contando e a historia de de quando ela se desenrolou, entendo que mistura tanto o presente quando o passado, tudo num ambiente totalmente realista da China e ouso classificar essa obra como Ficção Histórica o que me faz observar que dificilmente um livro de drama ou relacionado a nossa historia vai se encaixar em algum dos padrões de enredos mais usados, afinal creio que a própria realidade histórica seja o padrão de enredo uma vez que deve passar por ela para ter a cena validada

Mas afinal, será que vale a pena ler Viver ? A resposta é SIM! A mensagem que Yu Hua nos trás aqui é simples e direta e é fato que a maioria de nós provavelmente não conseguiríamos lidar com tudo que ele lidou. A reflexão contida nessa obra é extremamente pertinente além de ser rápido e fluido na escrita, mas não é para novatos! Então caro leitor, se estiver iniciando o mundo literário por agora.. pode ser que ache um livro não tão bom assim.. mas eu sempre vou ser a favor pelo menos da tentativa e como Viver me emocionou vai ganhar 9 estrelinhas.

⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐

[Resenha] O Vilarejo – Raphael Montes

O Através do Livros de hoje foi inspirado na vibe Halloween, portanto é sobre Terror boahahaha.

Neste pequeno e inocente humrum inocente, sei.. livro, um rapaz herda de alguma forma um livro estranho escrito em uma língua antiga, completamente ignorante do que realmente tinha em mãos, seu primeiro pensamento é bem lógico: traduzi-lo ! Até aí tudo bem, mas quando as poucas pessoas que possuem o conhecimento necessário da língua para tal, entre eles um padre, se recusam a traduzir o livro, ele não vê outra saída além de trabalhar pessoalmente na tradução obra.
O que ele descobre é que aquele livro compila as historias de um vilarejo distante e esquecido, onde repousa um grave TABU em torno de seu desaparecimento e veracidade, o rapaz dá o seu melhor para organizar essas historias de forma mais lógica e ordenada possível.

O primeiro conto é sobre Felika que é casada com Anatole e sobre como ela se virou para sua família não morrer de fome, mesmo que ela tenha recorrido aos vizinhos para isso e talvez tenha exagerado um pouco na reserva de comida.
O segundo conto é sobre Vonda e sua irmã mais velha Valia e seu namorado e sobre como ela sistematicamente planeja rouba-lo e de como por fim ela acaba se safando colocando a culpa em sua irmã gêmea.
O terceiro nos conta história do negro Mobunto e sobre a inexplicável atitude que Helga, a viúva do capitão da cidade, passou a ter com ela e sobre como sua visão deturpada de que ele não fazia nada direito, acabou atiçando Mobunto e indiretamente o obrigando a tomar medidas drásticas para se ‘libertar’ das atrocidades que ela fazia com ele.
O quarto conto é a sobre Mikhail e Jaketerina e como as ações dele levaram a moça a virar prostituta nas cidades, mais como diria Joseh Climber, a vida é uma caixinha de surpresas.. E quando anos depois ela reencontra Mikhail, fez ele pagar a dívida com juros.. muitos juros
No quinto relato, Ivan o mais reconhecido ferreiro da região nos mostra a verdade por trás de sua produtividade e sobre como sua história está entrelaçada com a de Helga e Mobunto e também com a de Félika
Estamos finalizando e o sexto texto do livro trás a historia de Branka e de sua neta, lemos as condições de vida e alimentação que a menina passava e descobrimos como ela retribui todo o cuidado que sua vó tinha com ela, tratando dela exatamente como ela era tratada.
Finalmente o sétimo conto é sobre Anatole, o marido de Félika, quando ele enfim retorna da caça para suprir sua família, encontra tudo em ruínas e descobre o que sua esposa fez… Também neste nós é revelado quem estava pro trás de todas as histórias descritas no livro e como todas elas no final estão relacionada entre si.

Essa gracinha de apenas 109 páginas foi lançado pela Suma de Letras em 2015 e pasmem senhores é NACIONAL.
Raphael Montes é um dos nomes mais aclamados nos ultimo anos da nossa literatura atual e claro faz jus a isso, sua escrita é extremamente fluída e prende nossa atenção quase instantaneamente, mesmo em temas tão “preocupantes” como terror e demônios. De pesquisa para este post percebi que o Raphael tem uma tendência ao gênero terror e suspense, como ainda não li nenhuma obra dele Jantar Secreto que me aguarde, não tenho como falar com propriedade, mas que o homem está virando referencia no gênero isso está né.
Estruturalmente falando, achei fantástico ele jogar para o leitor decidir a ordem de leitura e tentar decifrar a qual pecado cada historia se refere, mas fantástico ainda é a gente ver mini arcos dramáticos se unirem para fazer um arco maior e mais complexo. A utilização do o revés e as surpresas sem contas, as ironias dramáticas e as omissões estrategicamente inseridas entre os contos vão nos ajudando a montar o quebra-cabeça maior que é essa história.
Juro que tentei encaixar a historia como um todo em um padrão de enredo pra ver se entendia a jogada do autor… mais não vi que as historias tenham se encaixado nos padrões que conheço, meio brochante admito mais quem sabe a gente não está presenciando a criação de um novo padrão de enredo heim ?

Eu pessoalmente curte muitíssimo essa leitura e o rapaz conseguiu uma fã de sua escrita sim, pretendo procurar outras obras e acompanhar os trabalhos dele, afinal a gente também tem que valorizar nossos autores.. tem muito gente competente por aí apenas esperando um oportunidade ! Como não podia deixar pras trás.. vai 8 estrelinhas pra essa historia bem montada !

⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐